sábado, 13 de agosto de 2011

Super-símbolos (Der Übermensh, Deus e o Homem Integral)

Por Gustavo Oliveira.

Não é de hoje que se discute as influências de mitos, arquétipos e ideologias no mundo das histórias em quadrinhos. Na verdade o que lemos nos gibis são os mitos, as sagas, as demandas e aventuras que permeiam o imaginário humano desde o drama da sua existência no mundo. O bem contra o mal, o herói contra o vilão, o fraco e o forte... Mas assim como na vida humana, os personagens das HQ's estão longe de ser puramente bons ou puramente maus. Então entra os velhos tons de cinza...

Entre as várias conexões possíveis, encontramos em três dos mais famosos super-heróis dos quadrinhos influências de diferentes óticas sobre o bem e o mal. Vejamos.

O Superman (ou Super-Homem) criado por Jerome Siegel e Joe Shuster foi o primeiro super-herói, inaugurou a era dos superpoderosos e trouxe ao mundo uma concepção moderna do paladino, do herói supremo.
Vindo de um cataclisma em seu planeta natal, ele chega a Terra como um bebê e desenvolve incríveis poderes graças ao sol. Adota o planeta que o acolheu, apresentando-se como seu protetor e passa a lutar por ideais como: verdade e justiça. Demonstra grande solidariedade e um sentimento de exílio, uma lembrança do seu mundo natal ao qual ele (teoricamente) não conheceu, eu diria.

Por outro lado temos Batman, o herói criado por Bob Kane e que é igualmente famoso, mas traz em si um passado sombrio e trágico. Bruce Wayne teve que superar a terrível morte dos seus pais, morte essa que presenciou aos oito anos. Viu um criminoso tirar a vida de quem ele mais amava e utilizou-se da dor para se auto-aperfeiçoar, passando a combater o crime em Gotham City. Tornou-se sombrio, sério e extremamente disciplinado. Descobriu que os bandidos, de um modo geral, possuem em comum um ponto fraco: o medo, e usou isso a seu favor.


Vemos nesses dois, uma certa oposição. Enquanto Superman apresenta-se como um salvador, um tipo de Messias, quase uma representação do Deus judaico/cristão, é benevolente e fala lições de moral e justiça enquanto age, Batman se assemelha muito mais com o ideal de homem superior ( Der Übermensch) de Nietzsche, é sombrio e violento, apesar de seguir a regra de nunca matar. Fez-se forte por meio da dor. A grande ironia é que poderíamos traduzir "übermensch" como "super-homem" mas que talvez o Homem-Superior do filósofo alemão (que era exímio conhecedor do Cristianismo, diga-se de passagem) seja justamente uma oposição, uma resposta ao Deus judaico/cristão. Para Nietzsche, o homem deve por obrigação formar-se das suas próprias dificuldades, superar-se ao invés de esperar por uma ajuda miraculosa, vinda de um mundo além. Ele talvez via a crença como um tipo de superstição da qual o homem se utilizava para esquecer suas dores e limitações. Sem dúvida Batman se apresenta perfeitamente como um übermensh.

Por algumas vezes os dois super-heróis se enfrentaram, tanto nos gibis como nos desenhos. Um dos momentos mais clássicos desse confronto foi em Batman: O Cavaleiro das Trevas, desenhado e escrito por Frank Miller, onde numa realidade alternativa, o governo proíbe a atuação dos heróis nos E.U.A. à beira da guerra nuclear com a União Soviética. O único herói permitido de atuar era o Superman, que representava o governo como um tipo de força militar. Então depois de uma longa aposentadoria, Batman ressurge já velho e bem mais violento. Quando Superman consegue desviar uma bomba atômica lançada pelos soviéticos ambos os dois heróis se culpam pelo estado atual das coisas e o confronto é inevitável.

Particularmente não prefiro ou "desprefiro" nenhum dos dois heróis, e me identifico tanto com o Deus cristão quanto com o homem superior de Nietzsche, mas para encerrar esse post eu gostaria de escrever sobre uma terceira representação.

O filósofo e metafísico brasileiro Huberto Rohden, muito escreveu sobre o que ele mesmo chama de Filosofia "Univérsica", onde fala sobre o Homem Integral. Para Rohden o Homem Integral é aquele que conseguiu realizar o Deus em seu coração, aquele que superou as limitações do ego e pôs-se a serviço do Eu, agindo com amor à humanidade e tornando-se uno com o Universo.
Como ego, somos limitados, mas quando deixamos a alma, o Eu, o Ser, agir podemos realizar grandes proezas e viver em plena felicidade. O ego procura constantemente agir para seu próprio bem, possui limitações, apegos, dependências, barreiras e medos mas o Eu, a alma, a essência metafísica do homem, se identifica com todas as coisas materiais e imateriais, observa e compartilha a vida com todos os seres e trabalha sempre em prol do outro e do Todo não procurando reter nada pra si. É a própria essência do heroísmo, eu diria. Essa era a idéia de Rohden ainda que escrita aqui de forma humilde e um tanto grosseira.
Nos quadrinhos o personagem que talvez melhor personifique o Homem Integral é o Capitão Marvel. O jovem Billy Batson foi escolhido pelo Mago Shazam para ser o guardião da Terra, por ter um coração puro e se importar com as pessoas. Então, Billy, ao pronunciar a palavra mística SHAZAM se torna o Capitão Marvel, assume corpo adulto, apesar de manter a mente e a essência de criança e recebe vários poderes que rivalizam com o próprio Superman. De certo modo, é como se a palavra mística despertasse todo o poder que o próprio Billy possui. Muito mais que apenas conceber o poder por uma fonte externa, como é oficialmente descrito nos quadrinhos.

O Messias, o Übermensch ou o Homem Integral? Superman, Batman ou o Capitão Marvel? Opostos? Não, parceiros. Aliados nas HQ’s que combatem a injustiça segundo seus próprios termos e suas próprias noções de justiça. Companheiros com linhas de pensamento filosóficas e/ou religiosas, que aqui estão para cumprir seu papel como todas as abstrações e criações do pensamento humano: Tornar o homem verdadeiramente feliz e ciente da Realidade interior e exterior.


8 comentários:

Excelente texto e perspectiva de visão. Eu diria ainda, que os super-heróis tomaram o lugar dos outros deuses, na mente humana.

Cara, sem palavras! Sem dúvida uma das melhores coisas que li ultimamente, gostei muito das explicações sobre o Super-Homem nietzcheano, e sobre o Homem Integral. São perspectivas praticamente inéditas pra mim, e seu texto foi muito lúcido ao tratar da apropriação que as historias em quadrinhos fazem de idéias mitológicas, religiosas, enfim. Parabéns, Gus!

Maravilha de texto, virei fã! Nunca tinha visto o morcegão por essa ótica. Paragéns!

Que legal! Sinceramente não conheço muita coisa sobre super heróis ou histórias em quadrinhos, mas o texto trouxe perspectivas muito interessantes e uma aplicação muito inteligente de idéias filosóficas. Parabéns!

Prezado gostei muito e estudo esses arquétipos, assim com os admiro pois são frutos da criatividade humana. Outro texto que fala a respeito está no livro "O poder do mito" que recomendo. Parabéns!

Agradeço aos comentários. Foram generosos comentários para esse humilde texto.
Obrigado, serão sempre bem-vindos ao blog.

Gusss, Ótimo ensaio! Gostei de encontrar detalhes da história das HQs... É perceptível como somos doutrinados desde bem cedo através de tantos meios que a sociedade e os idealistas controladores do mundo utilizam. Mas faltou descrever no relato o Grande Paladino das Margens do Sertão Nordestino, o verdadeiro super herói: Gustavo.

'Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.'

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