Entre as várias conexões possíveis, encontramos em três dos mais famosos super-heróis dos quadrinhos influências de diferentes óticas sobre o bem e o mal. Vejamos.
O Superman (ou Super-Homem) criado por Jerome Siegel e Joe Shuster foi o primeiro super-herói, inaugurou a era dos superpoderosos e trouxe ao mundo uma concepção moderna do paladino, do herói supremo.
Vindo de um cataclisma em seu planeta natal, ele chega a Terra como um bebê e desenvolve incríveis poderes graças ao sol. Adota o planeta que o acolheu, apresentando-se como seu protetor e passa a lutar por ideais como: verdade e justiça. Demonstra grande solidariedade e um sentimento de exílio, uma lembrança do seu mundo natal ao qual ele (teoricamente) não conheceu, eu diria.
Por outro lado temos Batman, o herói criado por Bob Kane e que é igualmente famoso, mas traz em si um passado sombrio e trágico. Bruce Wayne teve que superar a terrível morte dos seus pais, morte essa que presenciou aos oito anos. Viu um criminoso tirar a vida de quem ele mais amava e utilizou-se da dor para se auto-aperfeiçoar, passando a combater o crime em Gotham City. Tornou-se sombrio, sério e extremamente disciplinado. Descobriu que os bandidos, de um modo geral, possuem em comum um ponto fraco: o medo, e usou isso a seu favor.
Vemos nesses dois, uma certa oposição. Enquanto Superman apresenta-se como um salvador, um tipo de Messias, quase uma representação do Deus judaico/cristão, é benevolente e fala lições de moral e justiça enquanto age, Batman se assemelha muito mais com o ideal de homem superior ( Der Übermensch) de Nietzsche, é sombrio e violento, apesar de seguir a regra de nunca matar. Fez-se forte por meio da dor. A grande ironia é que poderíamos traduzir "übermensch" como "super-homem" mas que talvez o Homem-Superior do filósofo alemão (que era exímio conhecedor do Cristianismo, diga-se de passagem) seja justamente uma oposição, uma resposta ao Deus judaico/cristão. Para Nietzsche, o homem deve por obrigação formar-se das suas próprias dificuldades, superar-se ao invés de esperar por uma ajuda miraculosa, vinda de um mundo além. Ele talvez via a crença como um tipo de superstição da qual o homem se utilizava para esquecer suas dores e limitações. Sem dúvida Batman se apresenta perfeitamente como um übermensh.
Por algumas vezes os dois super-heróis se enfrentaram, tanto nos gibis como nos desenhos. Um dos momentos mais clássicos desse confronto foi em Batman: O Cavaleiro das Trevas, desenhado e escrito por Frank Miller, onde numa realidade alternativa, o governo proíbe a atuação dos heróis nos E.U.A. à beira da guerra nuclear com a União Soviética. O único herói permitido de atuar era o Superman, que representava o governo como um tipo de força militar. Então depois de uma longa aposentadoria, Batman ressurge já velho e bem mais violento. Quando Superman consegue desviar uma bomba atômica lançada pelos soviéticos ambos os dois heróis se culpam pelo estado atual das coisas e o confronto é inevitável.
Como ego, somos limitados, mas quando deixamos a alma, o Eu, o Ser, agir podemos realizar grandes proezas e viver em plena felicidade. O ego procura constantemente agir para seu próprio bem, possui limitações, apegos, dependências, barreiras e medos mas o Eu, a alma, a essência metafísica do homem, se identifica com todas as coisas materiais e imateriais, observa e compartilha a vida com todos os seres e trabalha sempre em prol do outro e do Todo não procurando reter nada pra si. É a própria essência do heroísmo, eu diria. Essa era a idéia de Rohden ainda que escrita aqui de forma humilde e um tanto grosseira.
Nos quadrinhos o personagem que talvez melhor personifique o Homem Integral é o Capitão Marvel. O jovem Billy Batson foi escolhido pelo Mago Shazam para ser o guardião da Terra, por ter um coração puro e se importar com as pessoas. Então, Billy, ao pronunciar a palavra mística SHAZAM se torna o Capitão Marvel, assume corpo adulto, apesar de manter a mente e a essência de criança e recebe vários poderes que rivalizam com o próprio Superman. De certo modo, é como se a palavra mística despertasse todo o poder que o próprio Billy possui. Muito mais que apenas conceber o poder por uma fonte externa, como é oficialmente descrito nos quadrinhos.
O Messias, o Übermensch ou o Homem Integral? Superman, Batman ou o Capitão Marvel? Opostos? Não, parceiros. Aliados nas HQ’s que combatem a injustiça segundo seus próprios termos e suas próprias noções de justiça. Companheiros com linhas de pensamento filosóficas e/ou religiosas, que aqui estão para cumprir seu papel como todas as abstrações e criações do pensamento humano: Tornar o homem verdadeiramente feliz e ciente da Realidade interior e exterior.